segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Saudosismo




Vou à Bahia desde criança. Minha família é do sul da Chapada. Mas a primeira vez que fui a Lençóis, há 12 anos, voltei com o mesmo sentimento nostálgico e a necessidade de dizer o que vi.

Quando escrevi o texto abaixo, meu avô ainda era vivo e andava com seus 80 e tantos anos sobre uma bicicleta pela cidade. Livramento do Brumado. Fica na parte baixa da cachoeira. No alto, Rio de Contas.

Seu João Batista costumava contar suas experiências no garimpo, de seu casamento assegurado pela arma na cinta, da passagem da Coluna Prestes e do tiro da polícia na porta da casa de seu pai, histórias que se dizia sobre Lampião e cantarolava um cordel que já não lembro.


“Eu queria contar uma história. Sentar na janela de um bonde e contar o que eu vi.
Que vi muita gente diferente na rua. Que todas olhavam pra mim e sorriam. Que aquele povo sofrido se mostrava feliz.

Vi suas pequenas casas coloridas, umas junto às outras. As portas que davam para o passeio e as janelas abertas me mostravam o retrato pintado de casamento. Que as crianças de narizes sujos brincavam descalças no chão de terra e pó. Que aquele bebê chorava enquanto sua mãe o embalava no colo e sorria ao me ver. Que a luz era diferente. Era sentida.

Aquele velhinho de chapéu panamá e sua camisa branca de tecido gasto, aberta dois botões, com parte da barra pra fora da calça azul pardo. O cinto, obsoleto pelo tempo, tentava segurá-la, enquanto o forro queria sair do bolso. O zíper um tanto aberto. A marca da terra na roupa, a sandália de tiras arrastada. Aquele barulhinho que fazia... xic, xic, xic...

As cores, verde, amarela, azul, numa mistura de calor e água. A sensação de fazer parte de tudo. De estar na mesma cor. Homens, mata, bichos. Espécies diferentes bebendo a mesma água, sentindo o mesmo sol, respirando o mesmo ar.
Aquelas pessoas eram assim. Faziam parte.
Umas sentadas no meio fio, outras à sombra da beira. Umas brincavam com seus cães, enquanto outras namoravam sob o juazeiro.

Havia mulheres pela estrada, junto às plantas no acostamento de terra, trajadas com saias na altura dos joelhos. Os rostos traçados pelo tempo, as pernas douradas pelo sol, pés calejados pela lida. Caminhavam com os braços erguidos a segurar sobre as cabeças trouxas de roupas tão pesadas aos meus olhos... Outras, no sentido contrário, vestiam as mesmas saias já molhadas, carregavam as mesmas trouxas, os rostos suados, os lábios secos demonstrando maior cansaço.
Rapazes de bicicleta e sem camisa.

O som melodioso da fala acompanhando o sopro da brisa, da queda d’água, do canto do mato.
Vi o povo daquela terra, fui vista, fiz parte.”


2 comentários:

NC disse...

olha eu aquiiii! rs meu blog é esse tá?
Bjao!
Nelson

Anônimo disse...

Puxa, mais um talento que desconhecia da minha amiga. Parabéns. Essas fotos são lindas. Merecem até uma coletânea, pois há uma sensibilidade, uma visão de mundo muito interessante nelas. Vale a pena investir nisso.

Parabéns!

beijos